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Retrocesso no registro de empresas

19 jun 2018 – Contabilidade / Societário

O Departamento de Registro de Empresas e Integração (DREI), órgão federal integrante do Ministério da Indústria, Comércio Exterior e Serviços abriu Consulta Pública nº 4/2018 e realizou no dia 07 audiência pública para debater minuta de Instrução Normativa (Lista de Exigências).

A ideia é criar uma lista taxativa de exigências a serem realizadas pelas Juntas Comerciais, de modo que somente possam atuar dentro daquele rol com pretensão de ser exaustivo, conforme prevê o art. 1º, §1º do projeto de norma.

Contudo, apesar de reconhecer a boa intenção por trás da proposta de norma, a ideia demonstra certa ingenuidade ao pensar que é possível prever todos os motivos que podem dar ensejo a exigências no âmbito do registro de empresas. Uma rápida lida na lista de exigências é possível constatar hipóteses não previstas e que não poderiam ser admitidas a registro porque contrárias a lei, a exemplo da não observância do prazo legal na convocação de reunião de sócios previstos no art. 1.152, §3º do Código Civil. Os exemplos poderiam ser muitos.

Será que apenas porque não prevista na lista de exigências da Instrução Normativa uma reunião de sócios que não observe os prazos de convocação seria admitida a registro? De certo que não, porque o art. 35, I da lei 8.934/1994
proíbe o arquivamento de atos societários que contrariem à lei e, por óbvio, dentro das hierarquias das normas, a lei, aprovada pelo povo representado no Congresso, vale mais que uma instrução normativa, ato do Executivo, de caráter infralegal e feita dentro dos gabinetes do Ministério.

Dessa maneira, parece claro que o projeto de norma posto a discussão pública merece ser modificado para prever um rol exemplificativo e não taxativo das listas de exigências que podem ser feitas pela Juntas Comerciais.

Outro ponto do projeto de norma merece destaque e, com o devido respeito, além de ilegal, demonstra inequívoco retrocesso e dissonância entre o DREI e os demais órgãos do governo federal, o que merece especial atenção da
sociedade civil organizada. Trata-se da exigência do reconhecimento de firma para o registro de atos societários.

Desde o ano passado que o DREI, através do ofício circular nº 20/2017-SEIDREI/SEMPE-MDIC, firmou orientação as Juntas Comerciais para que interpretassem o art. 63 da lei 8.934/1994, da seguinte maneira:

Se as partes que assinam o ato societário comparecerem pessoalmente a Junta Comercial, o reconhecimento de  firma é dispensado. Já quando as partes que assinam o ato societário não comparecerem pessoalmente a Junta
Comercial, o reconhecimento de firma é exigido.

Trata-se de nítida “pedalada interpretativa”, na medida em que o art. 63 da Lei 8.934/1994 é muito claro ao prever como regra geral a dispensa do reconhecimento de firma, veja: “Art. 63. Os atos levados a arquivamento nas
juntas comerciais são dispensados de reconhecimento de firma, exceto quando se tratar de procuração”.

A interpretação realizada pelo DREI é “contra legem” e esvazia, por completo, o dispositivo legal, pois, como se sabe, as partes envolvidas nos atos societários não comparecem pessoalmente a Junta Comercial para solicitar o registro, pois é comum delegar a atividade de protocolo a contadores ou advogados, embora os atos societários sejam assinados pelos interessados, que agem, portanto, de forma pessoal e em nome próprio.

Para garantir a segurança jurídica dos atos sujeitos a registro a Lei 8.934/1994 exige a apresentação de prova da identidade (art. 37, V), que poderá se dá por meio de cópia autenticada ou cópia simples a ser autenticada em cotejo com o original pelo servidor público, optando o legislador por dispensar o reconhecimento de firma (art. 63 e parágrafo único). Modificar esse procedimento somente com uma alteração legislativa.

Vale notar, ainda, que a iniciativa de se exigir o reconhecimento de firma vai na contramão da desburocratização buscada pelo governo federal, como se viu, de forma clara, no recente Decreto 9.094/2017, que no seu art. 9º, mais
uma vez, reforça que a regra geral para a administração pública federal é a dispensa do reconhecimento de firma.

Contudo, na minuta de norma posta a discussão há a previsão no item 62 de colocar como exigência a ausência do reconhecimento de firma, de modo a exigir, de forma contrária a legislação posta, que a regra geral seja o reconhecimento de firma, pelo menos do jeito que a redação está posta.

As discussões realizadas na audiência pública foram profícuas e se espera que o órgão federal se sensibilize com os argumentos apresentados e reveja o seu posicionamento, alinhando-se com a política de desburocratização buscada
pelo Decreto 9.094/2017 e pela lei 8.934/1994, evitando-se o retrocesso no registro de empresas, que fará com que o cidadão perca mais tempo e dinheiro para registrar atos societários, que é tudo o que o país não precisa nesse momento atual de crise.

Breno Lobato Cardoso é advogado, mestre em direito pela UFPA, procurador da Junta Comercial do Estado do Pará e sócio de Leite Cardoso & Melo Advogados

Fonte: Portal Contábil SC

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